Amigo (a)
Um abraço gigante, profundo, saudoso.
Peço novamente licença para trocar olhares sobre o nosso tempo, com você. Não sei se concorda, mas sinto que a humanidade parece respirar a curtos ciclos. Há no “ar” universal uma certa inquietação antropológica. Parece que vivemos na iminência de um susto a cada dia.
Se antes, após a guerra fria, eram necessários, por exemplo, grandes hecatombes para promover mudanças cíclicas profundas, hoje basta a morte de um Steve Jobs, homem gigantesco, para promover no espírito coletivo (zeitgeist, ou espírito de época) e nas nossas singularidades íntimas uma sensação de que estamos caindo de um avião com o pára-quedas meio aberto, meio fechado (se é possível).
Vivemos como se estivéssemos em hiatos permanentes. Como se estivéssemos à espera de algo espetacular a cada turno de trabalho ou descanso. Há no ar, na cidade e no campo, um clima de insegurança sociológica e ontológica. O ser humano parece estar na corda bamba, aqui, em São Paulo, na Amazônia, na Suíça, nos morros e nos campos.
O medo parece cercar e preencher o ser humano com sua tenda misteriosa. Medo do que acontecerá na próxima década com nossos filhos e as inseguranças do mercado de trabalho. Medo quanto aos horários em que os mais fracos utilizam de suas inescrupulosidades e ceifam-nos bens e vidas. Medo de sermos ludibriados pelo admirável mundo virtual cada vez mais real.
Edgar Morin, na obra intitulada “As grandes questões do nosso tempo” prenunciou que a insegurança e a incerteza são constitutivas do nosso modo de viver. Talvez seja porque o homem está perdendo a visão do conjunto, tornando-se perigosamente fragmentário e sectário em sua realidade particular, privativa, local.
Sem a consciência sobre a complexidade que é a teia da vida e sobre a sua participação no mistério de existir, todos nos apegamos ciosa e cegamente ao instante, ao imediatismo. O imediato tira-nos a esperança; a desesperança tira-nos a segurança; a insegurança faz-nos caminhar no chão como se estivéssemos sob plumas e sem seguranças necessárias.
As inúmeras facetas do terrorismo vão nos descaracterizando ontologicamente como se derretêssemos ante o sol escaldante. Cria no tecido social uma onda incontida de avanços temerosos sobre os seres humanos, tornando-nos algozes uns dos outros.
Talvez aqui estejam as razões mais sociológicas para que as pessoas se tratem com tanta desconfiança. Qualquer um que se aproxime, logo é visto como uma ameaça. Até romperem-se os lacres, muito sofrimento em decorrência dos isolamentos já foi processado pela nossa estrutura ávida pelo olhar atento do outro.
Nunca se viu na história da civilização um tempo tão marcado, por exemplo, por “escolhas” de vida solitária. Prefere-se ficar sozinho para não haver sofrimento. Prefere-se fechar as portas às amizades para não haver desordens nas casas e apartamentos. Tantas vezes, dirigir o olhar respeitoso é um gesto cada vez mais sofrível para tantos.
O clima de insegurança e de medo existencial transcende a pessoa e mira em direção ao cenário internacional. Após a tragédia de 11 setembro, não quem não olhe um avião passando sob os céus das megalópoles e não evoque, no mínimo inconsciente, as imagens cravadas nas paredes das nossas memórias coletivas. E o que não dizer dos “grandes aviões” que invadem nossos espaços sociológicos, a exemplo dos solavancos econômicos sempre mais leves e mais profundos? O que não dizer do “grande avião” da indiferença e do egocentrismo, verdadeiras chagas que nos consomem invisivelmente a cada dia?
Certamente a tábua da salvação do homem estará na solidariedade. Sentindo verdadeiramente na dinâmica da sororidade, do entrelaçamento fraterno é que o homem permanecerá ricamente com ele próprio. Não haverá superação do medo com a injeção de mais isolamento em nossas veias existenciais. Somente ocupando os lugares escuros, dentro e fora de nós, é que poderemos ter a certeza de que a luz veio, de que o medo se foi, de que a segurança do ser e do Estado instalaram-se decididamente em nós e nos nossos entornos de convivência diária.
Afinal, o medo se alimenta do medo.
Estejamos na paz.
Prof. Onofre Guilherme
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