Doutor em teologia moral alerta para os efeitos que o uso das redes sociais para esnobar-se ou para investigar a vida do outro como curiosidade pode causar na existência humana
Doutor em Teologia Moral
Pesquisadores das Universidades Humboldt e Técnica de Darmastadt, na Alemanha, desenvolveram estudos com 600 pessoas intitulado: “Inveja no Facebook: Uma Ameaça Oculta à Satisfação da Vida dos Usuários?”. Chegaram à conclusão de que o Facebook provoca sérios ressentimentos ou inveja em cerca de um terço dos usuários.
O Facebook é hoje a maior rede social do mundo com mais de 1 bilhão de usuários com possibilidades de produzir plataforma inédita para comparações sociais, por isso possibilitou este estudo. “Os pesquisadores disseram que os entrevistados eram alemães, mas esperavam que os resultados fossem os mesmos internacionalmente, já que a inveja é um sentimento universal, uma constante na vida das pessoas” (O Estado de São Paulo, 23/01/2013, B12).
O primeiro estudo analisou a escala, o âmbito e a natureza de incidentes de inveja provocados pelo Facebook, e o segundo em como a inveja estava relacionada ao uso passivo do Facebook e a satisfação com a vida.
Os brasileiros foram os maiores usuários do Orkut e estão em segundo lugar no Facebook. Segundo o site socialbakers.com, 82,32% dos brasileiros que têm acesso à internet participam do Facebook, contra apenas 37,56% dos alemães.
A pergunta de fundo é essa: O que causa inveja em uma pessoa ao entrar no Facebook? Segundo os pesquisadores, “testemunhar as férias, a vida amorosa e o sucesso profissional dos amigos no Facebook pode provocar inveja e causar sentimentos de infelicidade e solidão”.
Os pesquisadores descobriram que uma em cada três pessoas sentiu-se pior e mais insatisfeita com a própria vida depois de visitar o site, enquanto pessoas que passearam por lá sem contribuir foram as mais afetadas, ou seja, para eles, as piores reações partem de usuários que entram na rede passivamente, sem interagir com ninguém: “O acompanhamento passivo provoca emoções amargas, com os usuários invejando principalmente a felicidade dos outros, o modo como os outros passam as férias e como socializam”.
“Ficamos surpresos ao ver quantas pessoas têm uma experiência negativa do Facebook com a inveja, fazendo-as se sentirem sozinhas, frustradas ou com raiva”, disse a pesquisadora Hanna Krasnova, do Instituto de Sistemas da Informação na Universidade Humboldt de Berlim. “A partir de nossas observações, algumas dessas pessoas vão, então, sair do Facebook ou, pelo menos, reduzir o uso que fazem do site”, aumentando a especulação de que o Facebook poderia chegar a um ponto de saturação em alguns mercados. “Do ponto de vista de um provedor, nossas descobertas assinalam que os usuários frequentemente veem o Facebook como um ambiente estressante, que pode, a longo prazo, pôr em perigo a sustentabilidade da plataforma”, concluíram os pesquisadores.
Pesquisadores das duas Universidades descobriram que fotos de férias eram a maior causa de ressentimentos. Mais da metade dos pesquisados revelaram que sentiram inveja provocada por imagens de viagens postadas no Facebook.
A interação social foi a segunda causa mais comum de inveja, com os usuários podendo comparar quantas felicitações de aniversário receberam em relação a amigos no Facebook e quantos “curtir” ou comentários foram feitos em fotos ou posts.
Outra descoberta foi que pessoas com trinta e poucos anos eram mais propensas a invejar a felicidade familiar, enquanto as mulheres eram mais propensas a invejar a atratividade física. Esses sentimentos de inveja fizeram alguns usuários se vangloriar mais sobre suas conquistas pelo Facebook para aparecerem sob uma luz melhor. Os homens postavam mais conteúdo autopromocional no Facebook para fazer com que as pessoas soubessem sobre suas realizações, enquanto as mulheres destacavam sua boa aparência e vida social.
Estudos indicam também que os jovens gastam até 70% de seu tempo nas mídias sociais, entretenimento e jogos, mas de uma maneira fútil, sem nenhuma utilidade para sua vida.
Todo ser humano tem o apetite natural de conhecimento, ou seja, é próprio do ser humano buscar através de diferentes formas conhecer a realidade. Nesta busca de conhecimento o homem pode direcioná-lo para o modo disciplinado (controlado) a studiositas ou indisciplinado (descontrolado) a curiositas.
Há uma nítida distinção entre a studiositas e a curiositas. Com ambas se quer afirmar a disciplina e a indisciplina do apetite natural de conhecimento, principalmente, temperança e intemperança na percepção sensorial dos múltiplos acontecimentos do mundo. A vontade de conhecimento necessita da sabedoria ordenadora, “para que o homem não se lance no conhecimento das coisas para além da justa medida” (Santo Tomás de Aquino, Summa theologica, II-II, 166,2 ad 3). A studiositas capacita a pessoa humana à contemplação para buscar a verdade das coisas para além das imagens ilusórias.
A curiositas não está no fato de o espírito humano querer desvendar os mistérios naturais e os segredos da criação, mas na insensatez e no absurdo de pretender apossar-se de Deus e decifrar os seus mistérios. São Tomás a compara com a magia, o apetite desmedido do conhecimento (Santo Tomás de Aquino, Summa theologica, II-II, 167, 1).
A curiositas é a evagatio mentis (distração mental), ou seja, a dissipação do espírito, sinal de total esterilidade e desenraizamento, onde a pessoa humana perde a capacidade de centrar-se, habitar em si próprio. Disso derivam as inquietações interiores, a inconstância nas decisões, volubilidade de caráter, tagarelice, a fofoca… E uma total desatenção no conhecimento de si mesmo, dos outros, do mundo. Concupiscência dos olhos (cf. 1Jo 2,16).
Quando a pessoa usa das redes sociais para esnobar-se ou para investigar a vida do outro como curiosidade ou fofocas, vai gerar nestas pessoas a inveja, o exibicionismo exacerbado, a inconstância interior, a angústia existencial, pessoas insatisfeitas com a vida.
Como exemplos do descontrole do desejo entendidos “curiosidade” (curiositas), podemos pensar no vizinho e na vizinha que “bisbilhotam” a vida dos outros; dos programas de TV que passam bom tempo especulando e fofocando vida das pessoas famosas; o sucesso dos “reality show” onde as pessoas de suas casas ficam vigiando outras pessoas; o sucesso de revistas, sites de fofocas e curiosidades; etc. Tudo isto é o verdadeiro e profundo mal que a “concupiscência dos olhos”, este “ver por ver”, pode causar na existência humana. Martin Heidegger designou por “curiosidade” (Neugier) aquilo que realmente queriam dizer os Antigos com curiositas: o que interessa à curiosidade não é a captação da realidade, mas a “possibilidade de abandonar-se ao mundo”.
Penso que deveria ser possível mostrar a qualquer pessoa da “geração TV”, “geração Facebook” o perigo que tão profundamente atinge a existência humana: o de perder, no meio do tumulto ensurdecedor, de conhecimentos superficiais, de vazias baboseiras, a capacidade original e verdadeira de captar a realidade. O controle do “desejo de ver”, tão vital hoje como antigamente, poderia alcançar um valor quase salvador na medida em que, por uma ascese do conhecimento, conservássemos aquilo que desde sempre perfaz uma existência humana plena de sentido: ver a realidade criada por Deus tal como ela é, e viver e agir da verdade assim apreendida.
A partir de tudo isso, devemos afirmar que há uma forte necessidade de formar consciência. A consciência moral deve ser educada para a formulação clara e coerente do juízo moral diante dos avanços tecnológicos. Não podemos demonizá-los nem sacralizá-los. É preciso conscientizar. A educação da consciência é uma tarefa para toda a vida. “A educação da consciência garante a liberdade e gera a paz do coração”.
Diante de todos estes avanços tecnológicos e da força das redes sociais, surge um questionamento urgente e necessário: “As redes sociais ajudam o ser humano a encontrar-se e/ou a encontrar os outros?”
“O Facebook pode ser comparado a uma praça de cidade pequena, onde pessoas vão para fofocar e mostrar fotos de viagens ou da família”, Jornalista Filip Vilicic (VEJA, 23/01/2013, p.66).
Fonte: Canção Nova
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