No
artigo desse mês, padre Anderson fala da Quaresma, tempo de
conversão do coração diante das necessidades dos outros
Padre
Anderson Marçal
Doutor em Teologia Pastoral Bíblico-Litúrgica
Doutor em Teologia Pastoral Bíblico-Litúrgica
Com
a celebração das cinzas, damos início ao grande e forte tempo de
oração, penitência e Jejum, que se pode também traduzir por tempo
de partilha. É o tempo de conversão do coração humano ante as
necessidades dos outros.
Como
o próprio nome diz, são quarenta dias de penitência que nos
preparam para a celebração da vitória final da graça sobre o
pecado e da vida sobre a morte. Durante estes dias, a nossa oração
se torna mais intensa e a penitência mais acentuada. É um tempo de
retorno a Deus, de conversão e de abertura aos outros. Quaresma é
realmente o tempo de reflexão em nossa vida, de entender aonde
vamos, de analisar como está nosso comportamento com nossa família,
o marido, a esposa, os filhos, os pais e todos os que nos rodeiam.
O
Evangelho da quarta de cinzas nos oferece uma ajuda, e nos faz
entender como praticar as três obras de penitência – oração,
esmola e jejum – e como utilizar bem o tempo da Quaresma. Jesus
fala das três obras de piedade dos judeus: a esmola, o jejum e a
oração; e faz uma crítica pelo fato de que eles as praticam para
serem vistos pelos outros. Para Jesus, é preciso criar uma nova
relação com Deus, e ao mesmo tempo Ele nos oferece um caminho de
acesso ao coração de Deus. Para Ele, a justiça consiste em
conseguir o lugar onde Deus nos quer. O caminho para chegar ali está
expresso na Lei de Deus. “Se a vossa justiça não superar a
justiça dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino
dos Céus”.
É
tempo da prática do jejum. O jejum tem certamente uma dimensão
física, como a privação voluntária de alimentos. O que jejuamos
deve ser partilhado, ou seja, entregue aos nossos irmãos que passam
fome. É e sobretudo a privação do pecado. O jejum é sinal do
combate contra o espírito do mal. O modelo deste combate é Cristo,
que foi tentado muitas vezes ao sucesso, ao domínio e à riqueza. No
entanto, a sua vitória sobre todo o mal que oprime o homem inaugurou
um tempo novo, um reino de justiça, de verdade, de paz, de amor e de
partilha.
A
experiência do jejum exterior e interior favorece a opção pelo
essencial. No nosso tempo, o jejum tornou-se uma prática habitual.
Alguns jejuam por razões dietéticas e estéticas. O jejum cristão
não tem uma dimensão dietética ou estética como é prática nos
nossos dias, mas sim uma referência Cristológica e solidária com
os nossos irmãos e irmãos excluídos da sociedade por causa de
diversas condições: raciais, religião, cor, tribo, língua etc.
Como Cristo e com Cristo, jejuamos para sermos mais solidários e
abertos ao outro. Sob várias formas podemos jejuar, como por
exemplo, o jejum midiático da televisão, da internet, do celular,
da língua e etc; para redescobrirmos a beleza do diálogo em
família, da partilha de interesses, do encontro e da comunhão com
os irmãos.
Quando,
como cristãos, vivemos bem o jejum, nos convertemos em seres
solidários, seres que partilham tudo entre todos. Ninguém chamará
de ’seu’ o que possui. Por outras palavras, atualizaremos o Atos
dos Apóstolos 2,42 que é a essência do cristianismo. A relação
dinâmica entre o amor e a adesão a Cristo, fazem do gesto de ajuda,
expresso na esmola, uma partilha fraterna e não uma esmola
humilhante.
Quaresma
é tempo de dar esmola, e esta nos ajuda a vencer a incessante
tentação, educando-nos para ir ao encontro das necessidades do
próximo e partilhar com os outros aquilo que, por bondade divina,
possuímos. Tal é a finalidade das coletas especiais para os pobres,
que são promovidas em muitas partes do mundo durante a Quaresma.
Desta forma, a purificação interior é confirmada por um gesto de
comunhão eclesial, como acontecia já na Igreja primitiva.
O
amor é criativo e encontra formas sempre novas de viver a
fraternidade. Permite-nos que contribuamos para a sinceridade do
coração e a coerência das atitudes no caminho da paz. Faz-nos
evitar a crítica maldizente, os preconceitos e os juízos acerca dos
outros, favorece a autenticidade da vida cristã. E tem como
obstáculos a vencer o egoísmo e orgulho, que impedem a generosidade
do coração.
Fonte:
Canção Nova
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