A eficácia do Ano Santo provém da oração da Igreja
Essa reflexão procura responder às seguintes perguntas: por que esse
período é chamado de Ano Santo ou Jubileu? Existem tempos favoráveis
para a salvação? De onde provém a eficácia espiritual do Ano Santo? Para
onde ele nos leva?
1. A origem do termo “Jubileu”
A origem do Jubileu está ligada ao Antigo Testamento. A lei de Moisés
tinha fixado para o povo de Israel um ano especial (Lev 25,10-13). Esse
ano era anunciado ao som da trombeta (Lev. 25,9), um chifre de carneiro
que, em hebraico, se chama jobhel,
daí a palavra Jubileu. A celebração desse ano significava, entre outras
coisas, a devolução das terras aos seus antigos proprietários, a
remissão das dívidas, a libertação dos escravos e o repouso da terra
No Novo Testamento, Jesus se apresenta como Aquele que veio levar a
termo o antigo Jubileu, pois, citando o profeta Isaías (61,1-2), ele
chegou para “proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-21).
2. Existem tempos favoráveis para a salvação?
O nosso Deus quis manifestar-se ao homem: é o Deus de Abraão, de Isaac,
de Jacó, de Jesus Cristo. Esse chamado à salvação insere-nos na história
da humanidade e encontra seu ponto mais alto na vinda de Cristo. O
tempo todo é tempo de salvação. Mas no arco de toda a história há alguns
“segmentos de tempo”, uns tempos propícios, nos quais a salvação age
com particular intensidade.
Jesus, em Mt 16,2-3, fala do tempo messiânico e diz aos fariseus e aos
saduceus: “Olhando o céu, vocês sabem prever o tempo, mas não são
capazes de interpretar os sinais dos tempos”.
Ressalta-se, seja neste texto citado, como em outros (2 Cor 6,2; Lucas
19,44), a diferença que os antigos gregos faziam quando falavam do
“tempo”. Os termos usados eram “Chronos” (Χρόνος) e “ Kairos” (καιρός),
com significados diferentes. “Chronos” é o tempo que chamados de
cronológico. É o tempo, diríamos hoje, do relógio, no qual não há
nenhuma diferença entre um minuto e outro minuto: é o tempo
quantitativo. Mas o termo “Kairos” indica um “tempo favorável”, é o
tempo qualitativo.
O Evangelista João, várias vezes, coloca na boca de Jesus a expressão “A
minha hora” (2,4; 7,30). Durante a última ceia, Jesus diz: “Pai, chegou
a hora. Glorifica o teu filho” (17,1).
Portanto, o tempo todo é história da salvação. O tempo da Igreja, que
começa com a Encarnação do Filho de Deus e vai até o fim do mundo é, a
título especial, tempo de salvação. O tempo da presença de Jesus, nesta
terra, é ainda mais tempo de salvação.
Jesus está presente. Mesmo assim, Ele pode afirmar que ainda existe um
outro “momento favorável”, a sua “hora”, que ainda não chegou. É o
momento mais alto: o da sua morte-ressurreição.
A partir desses textos do Evangelho conclui-se que existem “momentos
favoráveis” mais do que outros em ordem à realização da salvação. Esses
momentos podem ser subdivididos por ritmos diários (os momentos de
oração durante o dia), semanais (o domingo, dia do Senhor), anuais
(Advento e Quaresma; tempo de Natal e tempo Pascal); por ritmos
comunitários litúrgicos ou não (exercícios espirituais, encontros de
espiritualidade dos vários grupos eclesiais etc.). Há também os ritmos
do Ano Santo ordinário (a cada 25 anos) ou extraordinário: este Ano
Santo da Misericórdia ou os anteriores (no ano de 1933, Pio XI proclamou
o Ano Santo da Redenção, para lembrar os 1900 anos da morte-ressureição
de Cristo; e em 1987, João Paulo II, num outro Ano Santo
Extraordinário, lembrou os 1950 anos da Redenção).
Nesse sentido, o Papa Francisco escreveu na Bula de Proclamação do
Jubileu extraordinário da Misericórdia: “Há momentos em que somos
chamados, de maneira ainda mais intensa, a fixar o olhar na
misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos um sinal eficaz do agir do
Pai”.
3. A eficácia espiritual do Ano Santo
Por que o Ano Santo é um “momento oportuno”?
A eficácia do Ano Santo provém da oração da Igreja. Isso significa que a
Igreja, esposa de Cristo, pede, com a certeza de que sua oração vai ser
atendida, para que Ele derrame de maneira abundante seus dons para
todos os cristãos. É essa vontade eficaz que torna o Ano Santo um
momento oportuno da salvação.
Mais uma pergunta: quais são os elementos do Ano Santo?
São particularmente três: a conversão, a peregrinação e a indulgência.
A conversão acontece por meio da reconciliação com Deus e com os irmãos.
Observe-se que a reconciliação é uma iniciativa de Deus: Ele mesmo
intervém e, estando em paz com Ele, nós nos tornamos criaturas novas,
graças à morte de Cristo (2 Cor 5,17-20).
Jesus Cristo revela a bondade do Pai para com os pecadores. A esse
respeito, há uma feliz coincidência entre este “Ano Santo da
Misericórdia” e a leitura do evangelista Lucas neste mesmo ano
litúrgico. De fato, São Lucas narra parábolas de Jesus, centradas na
misericórdia de Jesus e na confiança nele que caminha entre os pobres,
doentes, humilhados e sofredores da terra (Lucas 10,25-37; 15,1-32;
16,19-31; 18,1-18; 18,9-14). Narra encontros de amizade e compaixão (7,
36-50, 10,38-42; 19,1-10.28; 23,39-43). Lucas ressalta as atitudes de
Jesus que consola e ampara (7,11-17; 13,10-17; 14,1-6; 17,11-19).
4. A peregrinação e a indulgência
A peregrinação faz reviver a experiência da história da salvação: a
história de Abraão peregrino de Ur dos Caldeus para a terra que Deus lhe
teria mostrado (Gen. 12,1); a peregrinação de Israel rumo à Terra
Prometida; a peregrinação de Jesus rumo a Jerusalém. E a vida cristã é
uma peregrinação até Deus.
Eis como o Papa Francisco fala da peregrinação na citada Bula de
Proclamação deste Ano Santo: “A peregrinação é um sinal peculiar no Ano
Santo, enquanto ícone do caminho que cada pessoa realiza na sua
existência. A vida é uma peregrinação e o ser humano é viator, um
peregrino que percorre uma estrada até a meta anelada. Também para
chegar à Porta Santa, tanto em Roma como em cada um dos outros lugares,
cada pessoa deverá fazer, segundo as próprias forças, uma peregrinação.
Esta será sinal de que a própria misericórdia é uma meta a alcançar que
exige empenho e sacrifício. Por isso, a peregrinação há de servir de
estímulo à conversão: ao atravessar a Porta Santa, deixar-nos-emos
abraçar pela misericórdia de Deus e comprometer-nos-emos a ser
misericordiosos com os outros como o Pai o é conosco”.
Passa-se agora a refletir sobre a indulgência. Antes de tudo, é
necessário esclarecer o significado do termo. “Indulgência” indica, na
doutrina católica, a promessa de uma particular intercessão da Igreja
para que Deus perdoe a pena temporal dos pecados que já foram perdoados,
mas cujas consequências continuam. Em outros termos, o pecador
arrependido e perdoado inicia um processo de conversão, ou mudança de
vida radical, que exige tempo e perseverança. Nesse processo, a Igreja
acompanha o fiel arrependido com sua oração de intercessão. Como se vê,
existe para os não esclarecidos a possibilidade de confundir
“indulgência” com “perdão dos pecados”. Geralmente, para a concessão de
uma indulgência, a Igreja pede, além da participação aos sacramentos,
como acima lembrado, um gesto que seja sinal de conversão, como uma
esmola, uma oração, uma peregrinação etc. A indulgência é considerada
“plenária”, quando diz respeito ao perdão de toda a pena temporal; nos
outros casos, a indulgência é “parcial”.
Nosso amor a Deus e ao próximo frequentemente fica misturado com
egoísmo, com vaidade, presunção, negligência, falta de delicadeza,
instabilidade e pouca fé. Daí a necessidade de uma conversão sempre mais
profunda: e a indulgência encontra o espaço nesse contínuo esforço de
conversão do cristão, que procura tornar-se “homem novo” e sente-se
acompanhado pela oração da Igreja. A indulgência, como diz o Papa
Francisco na citada bula, “através da Esposa de Cristo, alcança o
pecador perdoado e liberta-o de qualquer resíduo das consequências do
pecado, habilitando-o a agir com caridade, a crescer no amor em vez de
recair no pecado”.
Uma conclusão a partir da vida do Papa Francisco
O tema da misericórdia tocou profundamente a vida do jovem Jorge Mario
Bergoglio, acompanhou-o e o acompanha até hoje. Seu lema de bispo é o
seguinte: Miserando atque eligendo.
A frase é tirada das Homilias de São Beda Venerável (672-735), o qual,
comentando o episódio evangélico da vocação de São Mateus, escreve:
“Jesus viu um cobrador de impostos e olhando-o com amor o escolheu e
disse: Segue-me”.
Essa homilia é uma homenagem à misericórdia de Deus e está reproduzida
na Liturgia das Horas da festa de São Mateus. Foi justo por ocasião da
festa de São Mateus, no dia 21 de setembro de 1953, que, com quase 17
anos, Jorge Mario Bergoglio sentiu, pela primeira vez, a vocação à vida
religiosa. Naquele dia, depois de uma confissão, o futuro Papa advertiu a
presença no próprio coração da misericórdia de Deus, que o chamava a
viver a vida como jesuíta, seguindo o exemplo de Santo Inácio de Loyola.
Considera-se, pois, interessante essa ligação entre o Ano Santo da
Misericórdia e o caminho espiritual que o Papa Francisco tinha iniciado
quando era ainda adolescente.
Como “discípulos que Jesus ama”, possamos acolher neste Ano Santo em
nossa casa, a mãe Maria, presente na grande hora da misericórdia (João
19,25-27).
Fonte: Canção Nova
Blog da Diocese de Mossoró
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